Essa é a transcrição do podcast “Episódio 15 – “Estratégia de Produto com Joaquim Torres”. O link para ouvi-lo está no final desse conteúdo.
O nosso 15º convidado do Product Backstage é um dos maiores produtores de conteúdos sobre Product Management no Brasil. Formado em Engenharia da Computação, Joca Torres começou sua carreira no final da faculdade quando montou sua própria empresa de provedor de acesso de serviços de internet. Após 6 anos vendeu a startup para uma empresa Americana que estava comprando vários provedores de serviços de internet em vários lugares do mundo para criar um grande provedor global e fazer um IPO na Nasdaq, aí então, surgiu a oportunidade de Joca se juntar a essa empresa e encarar um ambiente internacional.
Joca tem uma bagagem e tanto! Foi CPO no Conta Azul e General Manager no GymPass. Em nossa conversa falamos sobre o que é e como definir e comunicar uma estratégia de produto entre outros assuntos super interessantes relacionados a esse tema. Separe caderno e caneta porque essa é uma aula e tanto!
A: Sejam muito bem-vindos a mais um product backstage. Hoje eu tô tendo o prazer de entrevistar o Joca Torres. Joca, muito obrigado por ter aceito esse convite, é um prazer te ter aqui, e esse episódio além de te ter aqui, que já é uma coisa super bacana, também é o episódio que a gente tá comemorando um ano de product backstage. Então pra mim é um super presente te ter aqui, espero que a gente tenha um papo bem bacana.
J: Imagina, obrigado pelo convite.
A: E cara, pra gente começar esse papo, eu queria escutar um pouquinho de ti como é que foi a tua trajetória, como é que tu chegou até essa posição como tu tá hoje, e ao longo da conversa eu sei que a gente vai tocar muita coisa, mas acho que a tua trajetória se confunde muito com a trajetória de product management aqui no Brasil, então eu acho que vai ser super interessante conhecer um pouquinho de como é que foi esse caminho até tu chegar chegar nessa posição que tu tá hoje.
J: Bacana! Bom, vou contar um pouquinho, é comprida, vou tentar resumir, me formei em 91, 92 ali no ITA, em São José dos Campos, em Engenharia da Computação, e de lá eu já saí logo de cara montando minha própria empresa que era um provedor de acesso de serviços de internet. Então era uma startup quando nem se falava ainda de startup, ela não tinha fundo de investimento, era tudo dinheiro nosso mesmo, o destrave, né, como se diz hoje em dia, e enfim, tocamos essa empresa até 98, quando a gente vendeu pra uma empresa americana que tava comprando vários provedores de serviços de internet em vários lugares do mundo pra criar um grande provedor global e fazer um IPO na Nasdaq, aí eu acabei me juntando a essa empresa Americana, aí já tive a oportunidade de… Enfim, encarar um ambiente internacional, minha principal missão era criar um portfólio de produtos comum ali entre essas diferentes empresas, eu fiquei nessa empresa americana por uns 4, 5 anos, até 2002, 2003 ali. Lembro que uma dia eu tava voltando da Europa e indo pra Argentina e passei pelo Brasil, acho que fiquei umas 4 horas só no aeroporto, nem vi minha esposa e falei: acho que isso aqui tá um pouco demais, um pouco exagerado. Então aí eu resolvi sair e dali eu fui pra uma empresa de data center que fica aqui no centro de São Paulo, ficava, chamada .com domínio que depois virou a Log e foi depois adquirida pela Econix, fiquei lá durante uns 2 anos também, de novo com área de produto, área de sistemas, e isso até em 2005 conversar ali com o Gilberto Mautner, o Giba, que também é do ITA, ele é um dos Founders ali da Locaweb. E naquela época ele tava muito preocupado, a Locaweb tinha mais ou menos uns 100 funcionários, tinha uns 25000 sites hospedados naquela época, e a principal preocupação que o Giba tinha naquela época era os hospedeiros gratuitos, tinham muitos hospedeiros gratuitos no Brasil, e como a Locaweb a única fonte de receita era a hospedagem de sites, a preocupação era que os hospedeiros gratuitos acabassem com o business de uma hora pra outra. Então a minha missão foi diversificar o portfólio de produtos da Locaweb, ajudar nessa diversificação, o que acabou sendo conquistado. Quando eu saí de lá, em 2016, 11 anos depois, menos de 60% da receita da empresa era uma receita que vinha da hospedagem de sites. Até recentemente eu vi no relatório, que agora é uma companhia aberta a Locaweb, eu vi no relatório que 38% da receita vem de hospedagem de sites e todo o resto dos outros produtos todos, tem essa diversificação do portfólio, seguiu adiante, né?. E essa diversificação foi feita através de desenvolvimento próprio, foi aí que a gente começou a entender uma pouco mais sobre as técnicas de gestão de produtos, do Vale do Silício, a gente trouxe Marty Cagan, trouxe outras pessoas aqui pra nos ajudar, mas a gente também fez diversificação de portfólio por parcerias e algumas aquisições. A gente adquiriu uma empresa de ecommerce chamada Tray, uma outra de email marketing pra grandes empresas, marketing online, né, pra grandes empresas chamada Alling, outra que a gente adquiriu também naquela época chamada Events, que era de web, e aí um segmento que a gente tava olhando era o segmento de ERP pra pequenas empresas. O cliente da Locaweb ali, o foco do cliente da Locaweb são os pequenos empreendedores. E aí a gente começou a olhar algumas soluções que tinha no mercado, tinha ERPflex, Granatum, Oni, Linn, enfim, acabei conversando com vários deles, também era uma das minhas responsabilidades, mapear o mercado e encontrar essas opções, enfim, conversar com os founders e eventualmente fechar uma parceria, ou eventualmente uma aquisição, e aí gente acabou fechando a parceria com a ERPflex, só que eu acabei conhecendo todos eles, isso foi em 2012, 2013, aí quando foi em 2016, o Vini da Conta Azul, ele veio falar comigo e falou: olha, estamos crescendo aqui na Conta Azul, desde aquela época que a gente falou, enfim, a gente tinha acabado de começar ali, éramos só 10 pessoas, a empresa tava pequena, agora a gente já tá com 300 pessoas, o time de desenvolvimento de produto aqui já tem 60 pessoas, você não conhece alguém aí que possa nos ajudar a liderar esse time? Ou até mesmo você poderia tá interessado, enfim, a única coisa é que precisaria vir aqui pra Joinville. Aí eu: opa! Joinville? Não tinha pensado nisso. Santa Catarina é um estado bacana, você também conhece lá bastante bem, imagino, aí enfim, acabei topando o desafio e mudei com a minha família, com a esposa, com a filha, com a cachorrinha também, fomos todos pra Joinville. Passei dois anos lá, foi uma experiência bem bacana, dentre as coisa que fizemos, enfim, botamos um pouco de ordem no processo de escolha de novas oportunidades, depois fizemos toda a visão de produto da Conta Azul, visão essa que inclusive ajudou a gente a conseguir o series G, da Tiger ali, que a gente fechou com a Tiger em setembro de 2017. Majoritariamente o séries G era para crescimento do time de produto, que a gente entendeu que tinha muito software, que a gente precisava fazer não só pro dono do pequeno negócio, como também pro contador, a gente se via como uma plataforma que conectava os dois. Aí quando foi ali em junho, julho de 2018, teve uma questão pessoal que me fez voltar pra São Paulo, e naquela época o remoto não tava tão onipresente quanto tá hoje e, conversando ali com o Vini chegamos à conclusão que ia ficar difícil de gerenciar um time de 120 pessoas de longe. Então eu topei me desligar da Conta Azul, até o pessoal da Monashees muito simpático e falou: você pode até sair da Conta azul, mas você não vai sair da Monashees. Tem o nosso portfólio aqui, vê se tem alguma que te interessa, a gente te põe em contato que tá todo mundo precisando de head de produto aqui. Aí eu conversei com empresas bem bacanas, tem umas empresas bem legais ali no portfólio da Monashees, mas conversei com algumas de fora também. E dentre elas eu acabei falando com o pessoal do Gympass, só do Gympass foi bem interessante o desafio porque já era uma empresa global, já tava em 14 países, empresa brasileira mais global, já tinha 800 pessoas na época, isso meados de 2018, 150 pessoas na Europa, 150 nos EUA… Aí eu perguntei pro César, o founder ali: mas qual o tamanho do time de engenharia de produto? O time de desenvolvimento de produto? Ele falou: então, são 30 pessoas. Eu: o que? E ele: é, por isso mesmo que eu tô conversando com você, a gente… Tá cada vez mais claro pra gente a importância de produto digital, de tecnologia, e acho que a gente quer crescer esse time, enfim, precisa de alguém pra ajudar a liderar, organizar esse time, então, eu entrei ali, aí um tempo depois entrou também o Rodrigo Rodrigues, como CTO ali, e aí gente cresceu esse time, organizou em tribos e tal, uma tribo focada no usuário final, uma tribo focada nas academias, outra tribo focada no RH e enfim, as tribos estruturais, CRM, dados e assim por diante. Tanto que esse time chegou, no início desse ano aí, já tava com 250 pessoas, e a gente via logo uma oportunidade de expansão desse marketplace de, enfim, oferecer outras coisas além de academias, estúdios pros clientes do Gympass e os seus funcionários, só que tinha tanta coisa pra fazer ali em produto e a gente falou: não, agora não dá pra fazer isso, vamos focar aqui em criar um time de produto, ou um time com cultura de produto, enfim, foi um trabalho ali durante um ano e meio bem forte. Aí quando chegou ali no final do ano passado, conversando ali com o César, o founder, ele falou: é, acho que talvez já esteja na hora da gente começar aquelas outras supplies ali, outros fornecedores ali, além de academias e estúdios, oferecer serviços de bem-estar, aí. Você não tá afim de olhar isso? Aí eu falei: ah, beleza. Vamos… Mais um produto pra gente tocar, né, diversificação de portfólio na veia. Aí beleza, começamos a olhar isso, aí o César me provocou: mas que tal em vez de você olhar só a parte de produto, você não olha isso como um todo? Como um general manager de uma unidade de negócio? Então, ola não só produto e engenharia, mas olha também a parte de marketing, a parte de vendas, enfim, como um negócio… Então, tô desde novembro do ano passado como general manager dessa unidade de negócios que a gente tá chamando de gympass wellness, onde a gente entrega pros funcionários dos nossos clientes apps de bem-estar, nutrição, meditação, mental healthy, terapia one/one, terapia um a um ali, como serviços de bem-estar pra… E aliás tá sendo bem útil, principalmente, nessa época de pandemia.
A: Super bacana! E eu acho que… Sempre quando eu falo de produto, pra mim, é uma analogia bem grande com o empreendedorismo, acho que é uma forma mais controlada de empreender sem tantos riscos, digamos assim. E eu acho que… Bom, tu tem essa trajetória, de empreender e depois ir pra produto e etc. e agora tá fazendo que um processo e cada vez ficando mais complexo, de sair de cuidar “só” de produto pra tá cuidando de várias outras coisas. Como é que foi esse movimento pra ti? Quais os desafios que tu reencontrou nisso? Enfim, como é que foi esse movimento de voltar a olhar pra muito mais coisas além de produto?
J: Tá sendo bem interessante, tem músculos que confesso que eu nunca tinha exercitado e se exercitei, exercitei muito pouco. Essa questão mesmo de vender, realmente é outro mindset mesmo, e inclusive nesse começo eu mesmo já queria fazer a venda ali, a gente preparou um deck pros parceiros, e eu que fui conversar com cada um dos parceiros, eu conversei com oito parceiros, desses oito parceiros seis mostraram interesse, e a gente acabou fechando com 4. Então teve toda uma coisa de ir ajeitando o beat, ajeitando, enfim, a forma de vender, você vai aprimorando, conversa, conversa… Putz, esse ponto aqui acho que não pegou tão bem, vamos melhorar um pouquinho, talvez se a gente contar a história desse jeito fica melhor… Mas é muito legal poder exercitar todos esses músculos novos. De vez em quando dói, porque você não sabe se você ainda tem aquele músculo ou não, mas é bom, te tira da zona de conforto, é uma experiência bem bacana.
A: Bom, falando agora mais especificamente de produto e eu acho que não tem como falar contigo sem falar um pouco da história de como foi product management aqui no Brasil, como disciplina, eu acho que possivelmente tu foi uma das primeiras pessoas a falar disso aqui, pelo menos foi a primeira pessoa que eu particularmente comecei a ter acesso a informação e, enfim, o teu livro, e blogs etc., como que tu vê essa evolução de product management aqui no Brasil nesses últimos 15 anos aí que tu tá trabalhando com isso aqui?
J: Puxa, evoluiu bastante, eu tô vendo cada vez mais gente interessada, tem podcasts, tem os eventos, têm cursos agora. Acho que a gente tá num ponto bem bacana de evolução, mas eu acho que a gente ainda tem muito por fazer. Se você olhar essa é uma disciplina muito nova, mesmo lá fora, mesmo EUA, Europa, enfim, essa é uma disciplina muito nova, na verdade, antes até da disciplina de gestão de produtos, a disciplina de desenvolver software é uma disciplina muito nova e a gente ainda tem muito pra aprender, esse é um conhecimento que a gente tá construindo agora. Imagina a medicina no começo como era, e eu acho que a gente tá mais ou menos no mesmo momento, então, acho que essa questão da gente trocar muita informação, e acho que essa é uma das minhas motivações pelas quais eu escrevo, enfim, participo de eventos e tal.. Quanto mais a gente trocar figurinhas, mais a gente vai aprender um com o outro e mais a gente vai fazer essa disciplina evoluir mais rápido.
A: Esse networking, essa troca, acho que sem dúvida nenhuma é o que é mais rico, e eu acho que é quando a gente fala de diferenças de Brasil e EUA, normalmente tá muito relacionado com isso, com esses ciclos que já teve muito mais gente que passou por isso do que tem aqui, e você vai cada vez mais aprendendo e trocando informações e conhecimento com pessoas que já passaram por coisas que de repente, sei lá, eu tô passando agora, de repente tu tá passando agora e por aí vai… E eu acho que sem dúvida nenhuma, com a comunidade em si ganhando cada vez mais maturidade, cada vez mais a gente tem esses casos e sem dúvida nenhuma trocar isso é super importante. Quando tu olha pra posição de PM em si, e eu acho que linkado um pouco com essa evolução que a gente tá vendo, o que que tu acha que a gente deveria fazer como PM? Eu sei que é uma pergunta super aberta, mas eu queria escutar um pouquinho isso de ti, pra cada vez a gente ser mais relevante como produto dentro das organizações hoje. Tu acha que ainda falta alguma coisa, tu acha que ainda tem alguma coisa que a gente ainda poderia caminhar nessa direção? Enfim, qual a tua visão sobre isso?
J: Eu acho que tem duas coisas que a gente tem que evoluir cada vez mais como função, eu acho que a gente tem um papel muito importante na empresa pra ajudar nessa… Digamos assim, transformação digital, ou fazer com que o digital entregue todo o seu valor, então eu acho que tem duas coisas que a gente precisa fazer, uma, e que eu sempre falo que é uma das principais características de um PM, é a prática da empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, e aí quando eu falo no lugar do outro não só em relação ao cliente, ao usuário do nosso produto, mas também às pessoas que trabalham com a gente, o pessoal do nosso time, engenharia, design, as outras áreas também e também ao dono do software, ao dono do produto que a gente tá cuidando, que ele nos deu a honra de cuidar, eu acho que é importante a gente entender quais são as motivações dele, quais são os objetivos que ele tem com produto, então acho que essa prática da empatia é fundamental. Então de um lado essa prática da empatia e eu acho que do outro lado, pra ajudar nessa criação de confiança que é tão necessário pra gente desenvolver um bom produto, é uma tática que eu acho fundamental que é constantemente perguntar o porquê, ajudar a entender porque as coisas tão sendo pedidas, acho que é muito comum ainda em empresas, e quanto mais tradicional a empresa, mais comum ainda isso é, que chegam demandas pra área de produto, chegam… Ah, eu preciso que seja implementado isso. Ah, eu preciso que seja implementado aquilo… Ah, se não implementar a funcionalidade xpto, o cliente vai embora, ou se não implementar aquela outra funcionalidade eu não vou conseguir fechar com aquele cliente. E eu acho que o papel do PM é fundamental pra ajudar a entender mais sobre isso, perguntar o porquê, mas por que você precisa que isso seja implementado? Qual a motivação de ter essa feature, ou essa demanda atendida. O que que motiva isso a ser resolvido? Por que que tem que ser feito isso agora? Então acho que essa questão de tá sempre perguntando ajuda a organização a entender melhor a motivação de tá fazendo as coisas e entende melhor a cultura de produto, né?
A: Perfeito! Joca, ainda, obviamente dentro dessa parte de produto, mas mudando um pouquinho de assunto, eu queria aproveitar toda a tua experiência aqui pra gente falar um pouquinho sobre estratégia de produto, acho que estratégia, pelo menos na minha percepção é um dos assuntos mais quentes, que as pessoas mais tem dúvidas sobre como fazer, exatamente o que que é estratégia, enfim, acho que é um dos assuntos que mais tem pano pra manga aí pra gente conversar, e que tem bastante dúvida e curiosidade sobre. E eu queria justamente começar te perguntando, na tua visão como é que tu define estratégia de produto? O que que é estratégia de produto pra ti?
J: Ah, legal! A estratégia na verdade ela é o teu plano de ação, é maneira que vai fazer você chegar na tua visão de produto, acho que você não consegue ter uma estratégia se você não tiver uma profunda clareza da tua visão de produto, e a tua visão de produto é onde que você imagina que o teu produto vai tá, o que que ele vai tá fazendo, o que que ele vai ser, o que que ele vai representar, tanto pros usuários, pros clientes, quanto pro dono do produto, a empresa que é dona do produto. Então, não dá pra gente falar de estratégia sem a gente falar antes da visão de produto. Então precisa ter muita clareza da visão de produto pra daí, dada a visão de produto, você vai e desenha a tua estratégia de produto. A tua estratégia de produto nada mais é do que o que você vai fazer pra atingir a tua visão de produto.
A: Legal! E ok, vamos começar então pelo começo, essa visão de produto, como é que tu faz pra chegar nela? Como é o teu processo pra construir isso? Enfim, como que chega nessa visão de produto pra tentar deixar menos abstrato isso?
J: Legal! Acho que um dos passos é você conversar bastante com os founders, ou se não tiver a oportunidade de falar com os founders, com o C-level que provavelmente herdaram isso dos founders, porque os founders são normalmente o product manager número zero de qualquer empresa. Então é ele normalmente, ou ela, que teve a primeira visão de produto, a visão do problema que tá sendo resolvido. Dado essa primeira conversa você já começa ter uma noção do que que é a visão, que tipo de problema você tá resolvendo. Dado isso, o teu próximo passo obviamente é você conhecer muito bem os teus clientes/usuários, e além disso é importante ter um pouco também de conhecimento teórico dos diferentes tipos de produto que podem existir. E aí eu tô falando se você tá com um produto que é uma plataforma que une dois tipos diferentes de usuários, se o teu produto é um market place onde existe uma troca entre os usuários, ou se não, o teu produto é um produto de um usuário só, isso tudo precisa tá claro pra você. Normalmente a visão é aquilo que deriva do propósito da empresa, mas que o propósito da empresa ainda é muito vago pra você conseguir construir um produto. Então pra colocar isso de uma forma um pouco mais prática usando o gympass. O gympass tem como missão ou propósito combater o sedentarismo e, puxa vida, combater o sedentarismo pra você desenvolver um produto tem uma distância muito grande, dá pra você fazer muitas coisas de produto pra resolver esse problema, pra atingir essa missão. Então daí você tem que descer um nível e pensar: bom, beleza, o que o gympass faz? O gympass hoje ele oferece uma rede de academias pra que os clientes possam oferecer como um benefício corporativo pros seus usuários. Então daí, foi o que eu falei da teoria, vem a questão de enxergar o gympass como um market place, então ele é um marketplace que do lado do supply tem as academias e estúdios e do lado da demanda tem os clientes e os seus funcionários, então ele é um marketplace de três pontas conectando academias e estúdios com clientes corporativos e seus funcionários. Então daí você já começa a construir a tua visão de produto, aí com a tua visão de produto você já começa a desenhar a tua estratégia. E a tua estratégia é montar time, a tua estratégia é analisar o que tá ruim em cada um desses pontos e começar a atacar esses pontos que tão ruins, e assim por diante.
A: Bacana! E dentro, eu acho que tanto do ponto de vista de visão, mas… Vamos tentar colocar isso mais na caixinha de estratégia aqui, em algum grau isso é um exercício de projetar o teu produto pro futuro, entendendo os problemas que tu tem hoje e projetar isso pro futuro, pra idealizar, digamos assim, o que você imagina pra esse produto lá na frente e como que isso vai ser resolvido, me corrige se eu tiver errado em alguma dessas assumptions. Se isso for verdade, tem um exercício aí que quando você tá imaginando esse futuro tem muito dado que você vai ter, tanto do ponto de vista de, sei lá, que mercados eu quero atacar, que tipo de cliente eu quero atender, ou qual é o nível de satisfação que eu quero entregar pra cada um desses clientes etc. e tem muito da minha visão de… Vou chamar de feeling aqui, mas não sei se é o melhor adjetivo pra isso, mas nem tudo eu vou ter dado comprovando, eu acho que tem um pouco aí também de você imaginar, se colocar lá e baseado numa série de informações que você tem que não são tão data, mas talvez sejam mais quali, sei lá, você conseguir imaginar esse futuro. Na tua visão é isso mesmo? Estratégia além de ter essa quantidade de dados e coisa que você tem que trazer ainda… Tem um pouco também de feeling, inspiração, ou sei lá, vou chamar de um “achismo” de como isso vai ser lá na frente, ou não, tu enxergar uma coisa bem matemática e que deveria ser super bem fundamentada essa parte de construção de estratégia?
J: Não, não… Tem uma parte forte aí de intuição, mas é importante lembrar que não dá pra ir com intuição sozinho, acho que tem que ter um balanço dos dois lados e mais do que isso, você tem que… Dada uma intuição, a intuição você tem que transformar ela numa hipótese que você precisa comprovar ela numa determinado momento. Então vou dar um exemplo que é um exemplo bem de estratégia… Beleza, a gente tem a visão nossa de produto no gympass, onde a gente tem academias e estúdios, a gente tem o RH das empresas e a gente em os usuários, uma das… O marketplace em geral ele pode ser expandido, isso é clássico já de teoria, uma das maneiras de você expandir um marketplace é você expandir pra diferentes tipos de suppliers, pra diferentes tipos de fornecedores… Então uma coisa que a gente tava imaginando fazer é plugar outros tipos de atividade física, ou até não atividade física, mas enfim, serviços de bem-estar pra oferecer pra nossa demanda que são os clientes corporativos e os seus funcionários. Então existia uma intuição de que isso poderia funcionar. Só que obviamente a intuição sozinha não adianta, a gente precisava testar essa hipótese, então foi daí que surgiu o teste do… Que a gente chamou de gympass wellness. Tinham duas hipóteses que a gente precisava treinar, uma delas é: bom, vamos oferecer mais coisas aqui como supply, só que pra gente oferecer mais serviço aqui como supply, eles precisam encaixar no mesmo modelo econômico que a gente tem hoje com as academias, as academias hoje a gente paga por dia de uso a gente quer oferecer apps também, mas será que os apps tão dispostos a ser pagos por dia de uso? As academias elas cobram mensalidade, mas pro gympass elas cobram a gente por dias de uso. Será que os apps, da mesma forma, eles cobram no público em geral mensalidade, mas será que eles tão dispostos a cobrar da gente por dia de uso? Então essa foi a primeira hipótese que a gente tinha uma intuição de que sim, mas que a gente tinha que comprovar, a gente tinha que ir pra rua,e pra comprovar isso o que que a gente fez? A gente construiu o pitch, o deck com a proposta de valor, o que que a gente ia entregar pra esses fornecedores, entregar mais demanda, dos nossos clientes e tal, e ver se eles estariam dispostos a vender pra gente nesse modelo econômico de dia de uso, então essa foi a primeira hipótese, e aí a segunda hipótese que a gente queria testar era se os nossos usuários finais estavam dispostos a pagar uma assinatura adicional por esse serviço, então a gente tinha uma intuição de novo de que isso seria possível, mas a gente precisava testar isso, então, a gente construiu uma MVP quase, uma prova de conceito, que é um formulário onde a gente perguntava pro usuário nome, email, empresa que ele trabalha e em seguida mandava ele pra um checkout do paypal, porque a gente queria ver se ele tava disposto a pagar, e a partir daí ele nem ia pra uma área logada, a gente mandava um email pra ele com o link de ativação dos apps. Então, voltando a tua pergunta, sim, acho que a estratégia ela tem que ser baseada, obviamente em dados, as informações você tem, elas te ajudam a guiar a tua estratégia, mas tem uma parte sim de intuição. Agora, a intuição ela não pode viver no mundo da intuição pra sempre, às vezes você tem uma intuição, você tem que transformar ela numa hipótese, dado que ela é uma hipótese você tem que ir lá e validar ou desvalidar essa hipótese.
A: O Cagan até no livro dele, no Inspired, ele fala, ele define uma estratégia como um sucessão de product market fits, e eu particularmente gosto bastante dessa definição, eu acho que o que tu tá falando acho que vai muito nessa direção também, tu tá trazendo um ponto de vista de ter uma série de hipóteses e etc., mas no final do dia essas hipóteses vão ser tanto do lado do cliente, que cliente que eu tô atendendo, tanto quanto do lado do produto e como que ao longo do tempo eu vou aumentando esse target, ou aumentando o meu portfólio de produtos, features ou seja lá o que for, e validando isso, então eu acho que faz bastante sentido nessa linha que tu trouxe também.
J: É isso aí!
A: E como que no final das contas tu consegue diferenciar o que que é uma boa estratégia de uma estratégia ruim?
J: Essa é uma boa pergunta. Uma boa estratégia, ela é repleta de hipóteses pra serem validadas. Normalmente, ela não pode simplesmente ser uma sequência de implementações sem nenhum embasamento do porquê as coisas tão sendo feitas, então, a estratégia que ela é simplesmente uma sequência de implementações, de deliveries sem ter um claro embasamento da motivação de tá implementando cada uma daquelas coisas com certeza é uma estratégia que vai dar um tiro na água. Quer ver um exemplo bacana que eu gosto de dar, quando eu cheguei lá na Conta Azul, tinha várias oportunidades que a gente queria perseguir e uma delas é a oportunidade de fazer com que um cliente do Conta Azul conseguisse cobrar o seu cliente por dentro do Conta Azul, e aí o que que a gente pensava? Qual que era nossa intuição na época: puxa vida, a gente tá na internet, o nosso cliente ele nos usa pela internet, então é óbvio que ele vai querer cobrar o cliente dele pela internet… É totalmente óbvio, é o que a gente tem que implementar. Não, beleza! Mas vamos tentar fazer, essa é a nossa hipótese, mas vamos tentar fazer um discovery bem feitinho, vamos conhecer o nosso cliente, vamos saber como é que ele tá resolvendo esse problema hoje, e aí enfim, a gente fez pesquisa com os clientes existentes e descobriu 70% deles cobravam seus clientes através de boleto bancário, e os outros 30% cobravam sim com cartão de crédito, mas cobravam cartão de crédito offline, ou seja, com a maquininha, por quê? Porque são business offline, não são business online. Então a gente tinha lá a nossa intuição e aquela intuição poderia ter virado a estratégia da empresa: não, vamos implementar a cobrança online pro nosso cliente cobrar o seu cliente, mas ia ser uma estratégia absolutamente furada, um baita de um tiro na água, daí a importância do discovery, que o PM tem um papel fundamental, você faz esse discovery pra você conseguir construir uma estratégia muito mais assertiva, que foi o que a gente fez, aí a gente implementou a feature inclusive tinha nome próprio, se chamava Receba Fácil que era pra permitir que o cliente do Conta Azul emitisse o boleto direto por dentro do Conta Azul pra cobrar os seus clientes, isso gerou um mega sucesso esse produto, mas por quê? Porque a gente fez o processo de discovery certinho. Então, acho que a diferença entre uma má estratégia e uma boa estratégia é resumidamente um discovery bem feito.
A: Bacana! Não, faz bastante sentido! Bom, tu acabou de falar de mais uma coisa, a gente já falou aqui sobre visão, falou agora dessa questão de discovery também, de entender muito bem tanto cliente quanto produto, e daí a minha pergunta nessa direção é: antes da gente pensar em fazer estratégia, tipo dando um passo pra trás, existe alguma coisa que tu considera que é um pré-requisito? E já vou assumir aqui que ter um bom discovery de clientes de produto é uma delas e visão também, além disso, tem alguma outra coisa que te faria… A hora que tu tiver que definir estratégia te faria voltar atrás pra garantir que isso tá muito bem estabelecido?
J: Acho que uma coisa bem importante é assim, se você fez discovery bom, conhece bem o teu cliente ou os teus clientes, se você é um market place ou uma plataforma que tem mais de um tipo de cliente, se você tem bastante clareza dos objetivos que a empresa tem em relação ao produto que você cuida, se isso tudo tá bem claro acho que o caminho tá razoavelmente bem definido pra começar a desenhar uma boa estratégia. Tem uma ferramenta, uma ferramenta bem antiga, pode ajudar bastante numa definição de estratégia, dado que você já tem a tua visão claramente, você tem um bom conhecimento dos teus usuários, tem um bom conhecimento dos objetivos estratégicos do teu produto, que é um SWOT, você fazer um SWOT análise, você ter bastante clareza dos pontos fortes, dos pontos fracos, que isso são questões internas do seu produto, e também das ameaças, das oportunidades, que aí são as questões externas do seu produto, isso pode te ajudar bastante porque se você for pensar, a estratégia nada mais é do que você olhar esses pontos fortes e pontos fracos, oportunidades e ameaças e endereçar os que você achar mais prioritários. Aí a única dica que eu dou, que é um negócio que eu aprendi um tempo atrás que é bem bacana, SWOT pode ficar uma lista quase infinita, principalmente nas fraquezas, a gente conhece muito bem as nossas fraquezas e a gente acaba fazendo uma lista bem grande de fraquezas. Mas tem uma dica bem legal pra SWOT que é limitar em cada uma das caixas a no máximo 3, então se você chegou a colocar a quarta fraqueza, a quinta fraqueza, tem que ver se ela é mais importante do que as outras 3 que já tão ali, então essa é uma maneira de você conseguir um SWOT bem priorizado que pode te ajudar na definição da tua estratégia.
A: Legal! Agora, pensando em outra ótica, por exemplo, estratégia pra mim, e daí de novo, fica super à vontade pra me corrigir se eu estiver enganado aqui, mas é um negócio essencialmente que vai vir top down em algum nível, no sentido de como tu falou, a visão idealmente, ou na maioria dos casos vai vir lá do founder, que vai ter a primeira visão de produto, depois aquele negócio vai mutando com o passar do tempo, mas possivelmente quando a gente vai aí como a liderança de produto definir a estratégia desse produto, vai se alimentar dessa visão que vem dos founders e provavelmente vai ser uma liderança de produto que vai setar essa estratégia, obviamente que vai ter inputs do time e etc., mas se pensar no outro extremo, de repente sei lá, PMs que tão dentro de uma organização onde a estratégia dessa organização não tá clara, eventualmente até a visão não tá tão clara ou explícita pro time, tu acredita que de alguma forma essa estratégia pode vir bottom up? Dos times PMs e etc. irem desenhando essa estratégia e de alguma forma surgir uma estratégia da empresa ali, ou é uma coisa que pra ti não faz o menor sentido?
J: Eu acho que tem que ter bastante coordenação porque se os PMs fizerem, eles precisam estar coordenados entre si, porque eles tão cuidando de pedaços do produto ou eventualmente, se for uma empresa com vários produtos, tão cuidando de produtos específicos, mas precisa ter uma coordenação entre essas diferentes visões e estratégias, então pode acontecer, mas eu acho que aí o papel do head de produto ele é mais importante ainda, eu vejo o papel do head de produto muito… Assim, o que que acontece? Você falou: poxa, mas às vezes a estratégia da empresa não tá clara, os objetivos da empresa não tão claros e aí fica difícil pro time conseguir fazer a sua estratégia local. Eu enxergo muito o papel desse head de produto, GPM, todo mundo que tem esse papel de liderança de produto, de fazer esse link entre os objetivos da organização e os objetivos do time, e se por algum motivo os objetivos da organização não estiverem claros, o papel dessa head de produto é exatamente ajudar a clarear os objetivos da organização pra que a partir daí a gente consiga fazer a definição clara dos objetivos do time. O que que a gente precisa agora? A gente precisa crescer? A gente precisa reter usuário? A gente precisa melhorar a qualidade da oferta de produtos aqui no nosso market place? Enfim, quais são os objetivos que a gente precisa ter? Qual que tem que ser o nosso foco agora? Eu acho que se isso não tiver claro no nível da liderança, da organização, é papel do head de produto puxar por essa informação. Puxa, não tá claro, mas a gente precisa deixar isso claro, qual é o nosso objetivo pro próximo trimestre? Pro próximo ano? O que a gente deve focar, e eventualmente se realmente tiver difícil de aparecer isso, o próprio head de produto tem que dar suas sugestões ali: eu acho que a gente deveria ir por esse caminho aqui, né?
A: Faz bastante sentido. E eu acho que tu já foi respondendo isso ao longo dessa tua última resposta, mas perguntando mais explicitamente, justamente pensando no papel desse head de produto, dessa liderança de produto, seja lá o nível que a gente tá falando aqui, que tá precisando construir essa estratégia, eu pelo minha experiência tem alguns momentos que são mais introspectivos ou mais isolados, digamos assim, onde você tá pensando nessas coisas todas e construindo, talvez esse backbone dessa estratégia, construindo o esqueleto dela, e tem momentos também que você vai precisar de inputs do time todo e todo mundo ajudando com o conhecimento que tem pra gente cada vez mais levantar essas hipóteses e desenhar melhor essa estratégia. Tu acha que é isso mesmo? É mais oscilando entre essas coisas de conversar com o time executivo, C-level, founder ou seja lá o que for, conversar com o time e ter momentos mais introspectivos e etc. tu acha que o papel do líder ele vai trafegando nessas instâncias todas? Ou como que tu acha que esse papel deveria se comportar durante o processo de construção de uma estratégia?
J: Eu acho que é isso mesmo, eu acho que tem uma parte que é bastante introspectiva mesmo, que é de construção ali do primeiro rascunho da visão, da estratégia e a partir daí acho que tem um trabalho muito grande de inteirar, de apresentar pro time, de apresentar pro founder, pros C-levels, enfim, pras outras áreas, pegar input, adequar se for necessário, mas é bem isso mesmo que você falou, acho que tem uma parte que é mais introspectiva ali, que é dado, a absorção do conhecimento, de como funciona ali a empresa e qual é o papel do produto digital dentro dessa empresa, até enfim, começar a transformar esse conhecimento em algo palpável, que é uma visão e uma estratégia, e a partir daí começar a inteirar e começar a validar isso com os membros da organização.
A: Durante… E daí falando de ti pessoalmente, durante esse processo de criação dessa estratégia, quando é tu mesmo que tá fazendo ela ou eventualmente alguém do teu time direto que tá criando a estratégia de algum novo produto, quais são as coisas que tu mais presta atenção? O que que tu é bem chato com o teu time de ter muito bem definido e aquelas coisas que tu sempre pega no pé pra ter bem claro o que que significa determinadas coisas, enfim, o que compõe essa estratégia?
J: Boa pergunta! Acho que a coisa mais importante, que enfim, falando do meu time, é que eles tenham bastante clareza de onde que eles tão querendo chegar e do porquê eles tão querendo chegar nesse lugar. Porque estratégia nada mais é do que qual o caminho que eles vão fazer pra chegar nesse ponto. Mas dado que eles querem chegar nesse ponto, precisa ter bastante clareza de onde é esse ponto e porque que quer chegar nesse ponto. Então toda a conversa que eu tenho com pessoas do meu time… Beleza, a gente vai fazer A ou vai fazer B ou vai implementar X, beleza, mas você tá implementando X, por que isso? Isso tá alinhado com a visão? Por que que a gente tem que implementar isso? O que que a gente vai ganhar com isso? E o que que embasa isso? É só uma hipótese? ou a gente de fato fez o discovery certinho? Então eu acho que esses são os pontos que a gente tem que sempre prestar atenção quando a gente tá definindo a nossa estratégia. Estratégia, de novo, é o que que a gente vai fazer pra chegar em algum lugar, aí o que a gente precisa saber é: esse lugar que a gente quer chegar é o lugar que a gente precisa chegar mesmo? E porque que a gente precisa chegar lá? Então acho que seriam esses os pontos.
A: E tem alguma, sei lá, alguma métrica ou alguma coisa que pra ti, se é uma coisa que tu sempre presta atenção ou não, isso é uma coisa que é contextualizada de acordo com o produto ou momento e explica, por exemplo, de repente monetização, quanto a gente vai gerar… Quanto tem de grana nesse mercado? Isso é uma coisa que pra mim é super importante e tem que estar super clara… Ou o quanto esse produto vai ajudar, de repente, na stack de produtos que eu tenha a sei lá… Reter ou atrair mais pessoas, enfim, tem alguma métrica que é uma coisa que pra ti sempre tem que tá muito bem explicada ou muito bem definida? Uu não, depende muito de contexto, produto e por aí vai…
J: Depende bastante de contexto, depende bastante de produto, mas tem algumas métricas que não fogem muito, são elas: você já falou inclusive algumas delas, tanto questão de retenção quanto questão de geração de receita, mas essas duas pra mim elas são consequência também de uma mais importante que eu acho que aí todo gestor e gestora de produto tem que olhar de perto que é como o seu produto tá sendo usado, que é o famoso engajamento. As pessoas tão utilizando o teu produto? Elas voltam, utilizam de novo o teu produto? A recorrência de uso, né? Quanto tempo elas ficam usando? Esse tempo tá condizente com o que você esperava que elas utilizassem? Então acho que pro gestor de produto, acho que a coisa mais importante que tem pra saber do ponto de vista de métrica é saber se as pessoas tão usando o seu produto. Então acho que esse é o principal, todo o resto é consequência, a receita que gera, a retenção que causa, todo o resto acaba sendo consequência do teu produto tá sendo usado. A satisfação, se a pessoa tá usando e se ela volta a usar várias vezes, é provavelmente que ela tá satisfeita com o que ela tá conseguindo tirar dali, então a satisfação seria uma consequência de ela tá usando.
A: Eu li recentemente uma série de post, na verdade, não sei se tu chegou a ver, do Gibson Biddle, eu acho que é o sobrenome dele, não sei se eu pronunciei corretamente, que a ex VP pediu produto da Netflix, e eu não lembro exatamente qual foi a fonte que ele trouxe esse frameworkzinho que eu vou falar agora, mas eu vou colocar no crédito dele aqui, mas eu acho que ele trouxe já isso de algum outro lugar, mas ele basicamente, quando ele tá falando de estratégia, estratégia na visão dele, tinham basicamente três grandes drivers, ou você poderia fazer uma estratégia pra otimizar a monetização, ou você poderia fazer uma estratégia pra otimizar growth, aquisição de clientes e etc., ou uma estratégia pra otimizar engajamento, que é um pouco do que tu falou agora, e eu acho que até, ao meu ver, eu algum nível essas coisas são meio que excludentes, porque por exemplo, seu otimizo pra growth a chance de eu prejudicar um pouco o meu engajamento ela normalmente é alta, porque se eu tiver crescendo muito rápida, a chance de eu começar a colocar cliente pra dentro que não tem exatamente lá o melhor dos fits com o meu produto ela é razoavelmente grande e isso vai fazer com que o engajamento com o produto de uma forma geral, de retenção e etc. deve cair um pouco. Independente dessa discussão aqui se… Enfim, o fato de eu priorizar engajamento vai diminuir growth, ou sub monetização ou alguma coisa nesse sentido, mas falando desses drivers especificamente, esses drivers também fazem sentido pra ti? Se não, o que que tu veria de principais drivers na hora de definir uma estratégia, que caixinhas tu veria que… Tá, eu tenho que fazer algumas escolhas aqui pra definir como que eu vou construir essa estratégia daqui pra frente.
J: Perfeito! Sim, elas podem ser excludentes. Até o Felipe Castro dos OKRs, ele fala muito dos incentivos perversos, de você focar numa única métrica e esquecer das outras, então, até mesmo uma métrica de engajamento ela poderia ficar perversa, digamos assim, você querer que a pessoa fique ali dentro do teu produto, mas na verdade, ele fica porque ele não tem outra coisa pra fazer e ele tá super insatisfeito. Então, sempre tem que contrabalancear as tuas métricas com alguma métrica de proteção, digamos assim, pra não ser vítima do famoso incentivo perverso. A história até bacana que o Felipe conta, não sei se você conhece essa história, de uma época, acho que foi na Índia, tava tendo muitas cobras e aí o governo indiano resolveu… E as cobras tavam, enfim, tavam causando males ali na população… Aí o governo indiano resolveu dar um incentivo pra população pra matar as cobras, então, enfim, resolveu dar um incentivo financeiro ali, cada cobra valia, enfim, X dinheiros, e fez a campanha e tal, e aí o que aconteceu? Começou a aparecer cada vez mais cobra morta… Até que o pessoal foi descobrir o que que tava acontecendo, o pessoal tava fazendo criação de cobra pra matar a cobra pra ganhar o dinheiro, que é a história do incentivo perverso, se você não tiver o controle da métrica ali, se você usar uma métrica só: ah, é crescimento. Ah não, é receita. Ah não, é retenção. Ah não, é só engajamento, se você não olhar pras outras métricas ou o que que eu posso fazer naquela métrica pra crescer ela de forma pura, digamos assim, você sempre precisa tá pensando com esse olhar pra você poder fazer o avanço da métrica correta. Então, eu acho que essas métricas elas são bem balanceadas e no momento de você definir uma estratégia, na verdade isso é bastante ligado com OKR, se você definir a tua estratégia ou o teu OKR… Não, eu quero crescer… Até no OKR quando você seta ali o teu objetivo, você seta dois ou mais OKRs exatamente pra um contrabalancear o outro, então, dando um exemplo: puxa vida, a gente quer lançar uma funcionalidade nova… Não, beleza! Mas pra que? Pra atender esse objetivo aqui a gente quer que o usuário consiga fazer isso. Ah, beleza, então vamos colocar isso. Olha, a gente quer lançar uma funcionalidade nova e até o final do trimestre a gente quer ter X usuários utilizando com índice de satisfação Y. Não basta só lançar a funcionalidade nova. Então essa é uma maneira de você ter uma estratégia um pouco mais balanceada.
A: Uma parte super importante disso é a comunicação dessa estratégia, né? Então se ficar só no papel ela provavelmente não vai valer de muita coisa. Quais são as melhores formas que tu conhece, ferramentas, etc. pra comunicar isso bem pra organização, tanto pra cima quanto pra baixo, eventualmente até pra fora?
J: Ah, isso aí é… Enfim, todas as que você tiver disponíveis e mais um pouco. Enfim, reunião trimestral de produto, reunião mensal de produto, email, vídeo, reuniões one on one, reuniões com grupos focados, aí você tem que usar de todas as ferramentas que você tem na mão. Acho que comunicação nunca é de menos, acho que você sempre tem que tá comunicando com a maior audiência possível. Até eu vi uma… Não sei quem falou, mas dizia algo assim: a comunicação acho que ela só vai acontecer mesmo quando você repetir a mesma coisa no mínimo 6 vezes, então, não tem jeito, acho que você tem que comunicar várias vezes em diferentes fóruns, em diferentes meios de comunicação, eventualmente usar linguagens diferentes pra públicos diferentes, mas tem que tá ali sempre comunicando, não tem fórmula mágica não.
A: O famoso over communication, né? Tipo, não sempre tá comunicando e comunicando, nunca é excesso.
J: Não existe over communication não.
A: Bom, com toda a tua experiência aí de liderança de produto, de times de produtos, enfim, quais foram os teus principais aprendizados com relação à criação, comunicação e execução de estratégia nesses anos todos, o que que o Joca de hoje gostaria de dizer pro Joca de 15 anos atrás com relação a estratégia de produto?
J: Ah… Acho que por mais que a gente queira, estratégia não é uma ciência exata, tem uma parte ali que é um tanto de… Não sei se é arte, mas eu diria que é prática, acho que você tem que praticar bastante, enfim, conversar bastante, trocar figurinha, não dá pra só pensar que: puxa, eu tenho uma fórmula aqui, eu sigo essa fórmula aqui, seguindo essa fórmula aqui eu vou ter a estratégia pronta do outro lado, acho que não tem muito isso, acho que tem que… Tem alguns caminhos que ajudam, tem algumas ferramentas que te ajudam a criar uma boa estratégia, mas cada caso é uma caso, cada mercado é uma mercado, cada empresa é uma empresa, cada produto é um produto e você tem que sempre se adequar a esse contexto, a esse ambiente, então, acho que é isso, não atacar a questão de construir estratégia como um problema exato porque ele não é, ele requer também um pouco de arte, um pouco de… Enfim, um pouco de trabalho colaborativo, de criação também, acho que tem que ter todo esse balanço.
A: Genericamente assim, não falando agora do Joca, mas enfim, eu sei que, de novo, toda a experiência que tu tem, um monte de PM que tu já liderou, organizações que tu ou liderou ou presta mentoria etc. quando tu vê erros relacionados a estratégia, o que que geralmente aparece? O que que geralmente são as principais falhas do ponto de vista de criação de estratégia de produto?
J: Tem muita coisa que eu vejo de timing, sabe? Em que sentido? Ou vontade de diversificar e atacar novas oportunidades sem ter construído a base do produto atual suficientemente estável, esse é de um lado, e acho que do outro lado a vontade de ficar focado ali no mesmo produto e não querer enxergar oportunidades que podem ser interessantes, então eu acho que tem essas duas incapacidades de entender o timing ali. Às vezes tem pessoas que tão com muita vontade de atacar novas oportunidades, simplesmente porque é uma oportunidade nova, parece sexy e interessante, mas esquecem de dar atenção pro produto atual, e o produto atual requer atenção, ele não tá estável, então isso é um erro clássico de estratégia, você querer perseguir novas oportunidades sem tá com a oportunidade atual que você cuida, que é teu ganha pão, bem estável, bem cuidada, e a outra também é o inverso, você tá muito focado no teu ganha pão e não tá enxergando as oportunidades que você poderia eventualmente tá explorando, então eu vejo esses dois comportamentos com alguma frequência.
A: E falando especificamente de interação aí com C-level, time executivo de uma forma geral, quais são as principais dicas e aprendizados que tu tem do ponto de vista de criação e comunicação de uma boa estratégia de produto pensando nesse público especificamente?
J: Então, esse público na verdade tem um trabalho aí grande de duas coisas, uma delas é a gestão de expectativa, então você precisa ter um trabalho grande de entender, e aí vem de novo aquilo que eu falei lá no começo da empatia, a sua capacidade de se colocar no lugar do C-level e entender as preocupações que ele tem e conseguir transportar isso pra dentro da tua estratégia, então, essa gestão de expectativa ela é muito importante. E aí a segunda coisa, que eu acho que é fundamental também, é a colaboração, a tua capacidade de colaborar principalmente com os C-levels que tão a mais tempo nesse business e consequentemente tem um conhecimento grande de como esse business funciona. Então é importante você colaborar até pra ganhar confiança, gerar um vínculo de confiança de que você tá traduzindo o conhecimento dele de business pra dentro do teu produto. Então eu diria que esses dois pontos são fundamentais, um é a empatia e o outro a colaboração com o C-level pra trazer o conhecimento do C-level, principalmente esses que tão mais ligados com a parte do business.
A: Animal! Vamos pro bate-bola?
J: Vamos lá!
A: Qual que é uma ferramenta de trabalho indispensável pra ti?
J: Ah… Acho que é o Google, a gente acha tudo lá.
A: Qual é o teu principal hack de gestão de tempo?
J: De gestão de tempo? É bloquear a agenda. Dar uma bloqueadinha na agenda ali, alguns horários, porque senão o pessoal pega a agenda inteira.
A: O que que tu tá lendo agora?
J: Nossa, eu fui… Eu tive a sorte de ler o Empowered, o novo livro do Marty Cagan, muito legal! Muito bacana! Recomendo quem ainda não comprou no pré-venda, vai lá e compra que vai ser legal.
A: Três livros que você recomendaria pra qualquer PM?
J: Bom, os livros do Marty Cagan, agora que tem mais de um, ou em breve terá mais de um. Tem um livro que eu acho fundamental nessa parte de teoria que se chama The Business of Platforms: strategy in the age of digital competition, innovation and empowerment, esse livro aí ele é bem legal, ele ajuda bastante a entender essa questão dessa dinâmica de estratégia que a gente conversou bastante aqui.
A: Quais são as tuas fontes de informação sobre produto?
J: Tem alguns blogs que eu acompanho, tem livros, os eventos também. Eu consumo o que chega pra mim, enfim, várias coisas no feed do próprio LinkedIn tem aparecido bastante coisa, no Twitter também… Tem nenhum ponto específico assim, mas eu acompanho várias coisas.
A: Quem te inspirou?
J: Tem uma pessoa que eu admiro muito que foi o… Não sei se vocês conhecem, chama Clovis Bojikian, que é um… Hoje já deve tá com 80 e poucos anos já, ele foi o RH da Semco. Semco é aquela empresa do Semler que tinha toda aquela questão de gestão participativa e tal, e na verdade, o Semler levou bastante do crédito, mas o Semler era bem novo quando ele começou a implementar isso tinha uns 20 e poucos anos, e quem tava junto ajudando ali, ajudando a coisa toda acontecer era esse Clovis Bojikian que era o diretor de RH que na época tinha uns 40 anos, é um cara incrível.
A: É, o Semler, daí tem aqueles… Pra quem eventualmente não conhece, tem os livros lá, acho que é o Virando a própria mesa, Você está louco e tem mais um que eu acho que é Every que eu acho que é uma coisa que é um pouco menos conhecido.
J: Isso mesmo.
A: O que que é um bom PM pra ti?
J: Vou chover no molhado aqui, mas a primeira coisa que tem que ter é empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, e aqui no caso é dos outros, que é do cliente, dos diferentes tipos de clientes, das pessoas com quem ele trabalha, no lugar do dono do software, e é uma pessoa que é sempre muito curiosa, tá sempre disposta a aprender mais. Acho que essas são as principais características de um bom PM.
A: Vou adicionar uma pergunta diferente pra ti aqui que é o que é um bom líder de produto pra ti?
J: Um bom líder de produto é uma pessoa que é capaz de ajudar os PMs a se desenvolverem, a virarem bons PMs, de um lado, e do outro lado eu acho que é a pessoa que consegue fazer um bom link entre a organização e o time de produto. Até a gente tava conversando, capacidade de puxar uma estratégia da empresa, ou alguma visão da empresa quando a empresa não tem isso claro, enfim, a pessoa que consegue fazer esse link. Em resumo é uma pessoa que ajuda o time de desenvolvimento de produto a entregar resultados incríveis.
A: E o que que é um bom produto pra ti?
J: Um produto é aquele que resolve o problema dos seus usuários ao mesmo tempo que atendendo os objetivos estratégicos da empresa que é dona do produto.
A: Joca, nesses anos todos certamente tu adquiriu algum aprendizado que te guia sempre e sempre quando tu tem a oportunidade tu passa esse aprendizado adiante, que aprendizado foi esse?
J: Acho que o principal aprendizado é esse mesmo, acho que o desenvolvimento de produto, quando a gente pensa em desenvolvimento de produto a gente acaba caindo bastante nessa questão de: ah, a gente tem que fazer um produto centrado no cliente, centrado no usuário e focado no usuário, o que eu concordo 100%, mas a gente nunca pode esquecer que esse produto ele tá sendo desenvolvido pra atingir objetivos estratégicos do dono do produto, então acho que o principal aprendizado é esse, é como você consegue fazer esse balanço entre os objetivos da empresa em relação àquele produto versus, ou junto com resolver os problemas e as necessidades dos clientes e usuários do produto.
A: Animal! É… Joca, de novo, muito obrigado por ter cedido esse teu tempinho pra tá aqui, bater esse papo comigo. Pra mim foi uma honra te ter aqui e poder te entrevistar, obrigado pela troca de conhecimento não só aqui no podcast, mas enfim, de todos os outros meios aí de palestra, livro, blog e etc. certamente me ajudou bastante, tenho certeza de que ajudou muita gente nesse universo de produto aqui no Brasil.
J: Legal! Foi um prazer a conversa.
A: Pra quem, enfim, tiver interesse nos links e documentos, e livros etc. que o Joca indicou, vai tá no episódio dele no productbackstage.com.br, assim como os demais episódios, e esse episódio também vai estar disponível no Spotify. Google Podcast, Apple Podcast etc. Nos vemos no próximo episódio e um grande abraço.
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